Mocho-d’orelhas

O mocho-d’orelhas (Otus scops) é a mais pequena ave de rapina que existe em Portugal. Mais pequeno que o mocho-galego, apresenta plumagem ligeiramente uniforme, de cor variável em tons castanho-acinzentados – o que lhe confere uma excelente camuflagem nos troncos das árvores – e possui pequenos tufos na cabeça que fazem lembrar ‘orelhas’; quando visto de perto, é possível observar um padrão mais complexo, com riscas e manchas pretas, pintas esbranquiçadas e manchas arruivadas. Exibe disco facial castanho-acinzentado pálido e olhos amarelos. O bico é cinzento e as garras castanho-acinzentadas, apresentando estas a ponta mais escura. A fêmea é, em média, mais pesada que o macho.

Em Portugal Continental ocorre a subespécie O. s. mallorcae (este dado, na opinião de alguns investigadores, levanta algumas dúvidas sobre a presença desta subespécie ou a da subespécie nominal), sendo ainda possível que, durante as migrações, também possa estar presente a subespécie nominal. É a única espécie do género Otus presente na Europa.

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Esta espécie distribui-se, como nidificante, pelo Paleárctico Ocidental e Central, ocorrendo na Europa do Sul, sendo também encontrada na Europa Central e do Leste, Norte de África, Ásia Menor, Península Arábica e Ásia Central. Encontra-se em climas temperados e mediterrânicos a médias e baixas altitudes, podendo também ocorrer até aos 2500 m. A subespécie O. s. mallorcae, nidificante em Portugal Continental, é parcialmente migratória; desloca-se da África subsariana, local onde inverna, para a Península Ibérica, chegando no início de Março e partindo em meados de Setembro/Outubro. Há aves que invernam no sul de Espanha, não estando excluída a hipótese de tal também se verificar no nosso país. Em Portugal Continental, encontra-se distribuída por todo o território, sendo mais abundante no Nordeste Transmontano e na Beira Interior, onde é comum, e escassa no restante território luso.

No âmbito do Projecto BARN, em 2008/2009, foi realizado um estudo com o objectivo de detectar locais de presença e de nidificação de aves de rapina nocturnas no concelho de Gouveia, tendo sido o mocho-d’orelhas uma das espécies alvo deste estudo. Esta foi a segunda espécie mais detectada, encontrando-se regularmente distribuída pela área de estudo, mesmo em zonas de maior altitude, notando-se uma aparente tendência para se agrupar em pequenos núcleos.

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Preferencialmente insectívoro, o mocho-d’orelhas está associado a áreas semiabertas, compostas por um mosaico de habitats ricos em grandes insectos, interceptando zonas arbóreas que lhe proporcionam pousos discretos e cavidades para ninhos. Evita florestas densas. Na África subsariana, inverna maioritariamente em áreas de savana, com árvores e arbustos.

No nosso país, é mais abundante em bosques pouco densos, bosquetes, pomares, soutos e montados abertos e matas ripícolas, em particular quando estes se encontram na proximidade de campos de agricultura extensiva. É ainda possível encontrá-lo em jardins e parques ou quintas, inclusive no interior de povoações; evita áreas muito abertas, eucaliptais e pinhais extensos, áreas sujeitas a agricultura intensiva e zonas de matos extensos.

A sua dieta é maioritariamente composta por grandes insectos (Coleoptera, Lepidoptera, Orthoptera) e, também, por aracnídeos, anelídeos e outros invertebrados. Com menor peso na dieta, surgem ainda micromamíferos, pequenas aves, anfíbios e répteis. O mocho-d’orelhas exibe um voo rápido e directo, pouco ondulado. Caça à noite e, ocasionalmente, de dia.

Espécie migratória, pode variar de território de ano para ano tendo em conta a disponibilidade de alimento e de locais propícios ao ninho. Nidifica em cavidades de árvores maduras, buracos de paredes ou telhados de edifícios e, por vezes, em antigos ninhos de outras espécies (e.g. pega-rabuda Pica pica), podendo também usar caixas-ninho. A época de reprodução, no sul da Europa, está compreendida entre Março e Agosto. A incubação de 4-5 ovos é realizada apenas pela fêmea durante 24-25 dias, sendo esta, durante este período, alimentada pelo macho. As crias podem ser vistas fora do ninho com cerca de 21-29 dias de idade e os primeiros voos ocorrem poucos dias depois; porém, os juvenis apenas se tornam independentes dos progenitores após cerca de 5 semanas. Atingem a maturidade sexual com aproximadamente 10 meses de idade. Apesar de muito pouco estudado, acredita-se que a migração seja feita em pequenos grupos ‘familiares’.

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Na Europa, é referido, para esta espécie, um declínio histórico moderado. Em Portugal, não está ainda recolhida informação suficiente para que lhe seja atribuído um estatuto de conservação pelo Livro Vermelho dos Vertebrados. Apesar disso, são conhecidos alguns factores de ameaça, tais como: a perda de habitat, uso de pesticidas – que causam uma diminuição do número de presas, podendo ainda levar à bioacumulação de substâncias tóxicas – abate a tiro, pilhagem de ninhos e destruição de árvores maduras com cavidades adequadas à nidificação, assim como a predação por animais domésticos e a colisão com veículos.

Medidas que visem a protecção do habitat e a manutenção de práticas agrícolas e pecuárias tradicionais, acções de sensibilização e educação ambiental para grupos alvo, tais como caçadores e agricultores, assim como para o público em geral, aliadas a um reforço da fiscalização, tal como a promoção da realização de censos e estudos sobre a biologia e a ecologia do mocho-d’orelhas serão significativas para a conservação desta espécie no nosso país.

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Estatuto de conservação: Mundo (IUCN, 2016): LC (Pouco Preocupante); Europa (BirdLife International, 2004): SPEC 2 (Concentrada na Europa e com estatuto de conservação desfavorável); Portugal (Cabral et al., 2005): DD (Informação Insuficiente);

Protecção legal: Convenção de Berna: Anexo II; Convenção de Washington (CITES): Anexo IIA;

Tipo de ocorrência em Portugal Continental: Migrador reprodutor (MigRep) – espécie estival;

Distribuição: Pouco comum;

Dados biométricos: Comprimento: 19 a 20 cm; Envergadura: 53 a 63 cm; Peso: 60-135g; Longevidade máxima conhecida na Natureza: 6 anos e 10 meses.

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