A coruja-do-nabal (Asio flammeus) é uma ave de rapina nocturna de dimensão média, semelhante ao bufo-pequeno, embora ligeiramente maior. De fácil identificação, devido ao disco facial branco-amarelado claro, aos seus olhos grandes e amarelados e cabeça e peito bastante listrados, possui asas compridas e estreitas e cabeça pequena e de formato arredondado, com ‘orelhas’ de pequena dimensão nem sempre visíveis (última foto). A plumagem é castanho-amarelada e branco-amarelada, listrada de forma bem marcada. Tem cauda com barras grossas e abdómen quase sem marcas; por sua vez, o bico e as garras são escuros, de tonalidades acinzentadas. Em voo, é possível observar o bordo posterior branco no ‘braço’ e a ponta das asas quase preta (características distintivas relativamente ao bufo-pequeno). Os sexos são idênticos, embora o macho exiba, em média, partes inferiores e face mais pálidas e padrão listrado menos marcado do que a fêmea, sendo esta ainda ligeiramente maior e mais pesada.
Em Portugal Continental ocorre a subespécie nominal.
A nível global, a distribuição estende-se pela região holárctica e, de forma descontínua, pela região Neotropical. No Paleárctico Ocidental, a espécie nidifica no Norte da Europa e, em populações mais fragmentadas, na Europa Central e Sudeste europeu. A coruja-do-nabal inverna a sul da sua área de nidificação, nomeadamente no Mediterrâneo, e também no Norte de África, Índia e Ásia Oriental. Considerada rara ou pouco comum em Portugal Continental, apresenta uma distribuição algo localizada, embora possa ocorrer em todo o território, mas sempre em baixas densidades. Dado que no sul do país o habitat lhe é mais favorável, aí, ocorrerá provavelmente em maior número.
Esta coruja está muito associada a habitats abertos. Ocupa áreas de tundra, savana, pastagens, planaltos de montanha, dunas, ilhas costeiras e zonas húmidas, em locais onde haja disponibilidade de presas para a sua alimentação. É uma das aves de rapina com hábitos mais diurnos e pode ser observada, em Portugal Continental, entre finais de Setembro e Abril, com maior abundância no final do Outono e Inverno. Nas zonas de invernada, a coruja-do-nabal caça em sapais, orlas de caniçais, margens de valas ou de planos de água, arrozais, salinas, pastagens, montados abertos e terrenos agrícolas abertos. Os locais do país com maior número de observações recentes encontram-se principalmente no litoral centro e sul, sendo de destacar os estuários do Tejo e do Sado e, em número mais reduzido, a Ria de Aveiro e a Ria Formosa.
Esta espécie alimenta-se essencialmente de pequenos mamíferos, em particular, no nosso país, de micromamíferos. Além de espécies como o rato-das-hortas (Mus spretus), o rato-d´água (Arvicola sapidus) ou outros, associados a meios aquáticos, a sua alimentação também inclui insectos, principalmente coleópteros, e até pequenas aves. Pode ainda ingerir répteis, anfíbios, minhocas e caracóis. Num estudo realizado no estuário do Sado, os pequenos mamíferos constituíram a maioria das presas consumidas (63%), tendo sido o rato-das-hortas a presa mais frequente; de referir ainda que os insectos, (34%), foram, em termos numéricos, o segundo grupo mais importante. As presas são normalmente detectadas em voo pelo som; após a captura, é frequente que esta espécie voe para outro local, para comer a presa, transportando-a presa nas garras. A coruja-do-nabal exibe um voo flutuante e errático. Esta rapina costuma pousar no solo.
Não foi confirmada a nidificação de coruja-do-nabal em Portugal, embora em 1997 e 1998 tenham sido efectuados registos desta espécie, na época estival, na região oriental da serra do Gerês (planalto da Mourela). A época reprodutora abrange o período que vai de Maio até Agosto. A coruja-do-nabal nidifica no solo: a fêmea raspa o solo criando uma cavidade de aspecto tosco, que preenche de forma rudimentar com alguma vegetação e penas; a postura é, em média, de 4 a 8 ovos que são postos com um intervalo de 24h a 48h. A incubação, que se inicia com a postura do primeiro ovo, é realizada pela fêmea e dura de 24 a 29 dias, sendo o macho responsável pela alimentação da fêmea durante esse período. As crias começam a explorar as imediações do ninho muito precocemente, com cerca de 12-17 dias de idade. Os juvenis começam a voar com 24-27 dias, tornando-se independentes algumas semanas depois e atingindo a maturidade sexual com um ano de idade.
As principais ameaças apontadas para a espécie são a intensificação da agricultura, a alteração, decréscimo ou abandono das actividades tradicionais nas zonas húmidas, a limpeza da vegetação ribeirinha, a expansão urbanística e turística, o abate ilegal – esta coruja é frequentemente surpreendida por caçadores, levantando voo muito tardiamente aquando da aproximação de pessoas – o uso de venenos e de agro-químicos, a colisão ou electrocussão com linhas aéreas de transporte de energia e a colisão com viaturas. A colisão com aeronaves é ainda referida como uma causa de mortalidade para a coruja-do-nabal que é atraída pelas áreas abertas dos aeroportos.
Uma correcta gestão do habitat e a manutenção de práticas agrícolas e pecuárias tradicionais, uma maior e mais eficaz fiscalização das actividades cinegéticas aliada a campanhas de educação ambiental direccionadas para caçadores, guardas e gestores de caça e agricultores, assim como a promoção da realização de censos e estudos sobre a biologia e a ecologia da coruja-do-nabal serão medidas importantes para a conservação desta espécie no nosso país.
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Estatuto de conservação: Mundo (IUCN, 2016): LC (Pouco Preocupante); Europa (BirdLife International, 2004): SPEC 3 (Não concentrada na Europa mas com estatuto de conservação desfavorável); Portugal (Cabral et al., 2005): EN (Em Perigo);
Protecção legal: Convenção de Berna: Anexo II; Convenção de Washington (CITES): Anexo IIA; Directiva Aves: A-I;
Tipo de ocorrência em Portugal Continental: Visitante (Vis) – espécie invernante;
Distribuição: Rara e localizada;
Dados biométricos: Comprimento: 37 a 39 cm; Envergadura: 95 a 110 cm; Peso: 206-500g; Longevidade máxima conhecida na Natureza: 20 anos e 9 meses.
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